Guilherme de Almeida


quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente
de braços dados, como dois velhinhos.

e que dirá de nós toda essa gente
quando passarmos mudos e juntinhos?
-        como se amaram esses coitadinhos!
-        Como ela vai, como ele vai contente!

e por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...

e por nós na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
e hão de falar os teus cabelos brancos!



DISPERÇÃO-Mário de Sá Carneiro




perdi-me dentro de mim
porque eu era labirinto
e hoje, quando me sinto,
é com saudade de mim.

passei pela minha vida
um astro doido a sonhar
na ânsia de ultrapassar,
nem dei pela minha vida...

para mim é sempre ontem,
não tenho amanhã nem hoje:
o tempo que aos outros foge
cai sobre mim feito ontem.
(o Domingo de Paris
lembra-me o desaparecido
que sentia comovido
os domingos de Paris:

porque um Domingo é família
é bem-estar, é singeleza,
e os que olham a beleza
não tem bem-estar nem família).

o pobre moço das ânsias...
tu, sim, tu eras alguém!
e foi por isso também
que te abismastes nas ânsias.

a grande ave doirada
bateu asas para o céus,
mas fechou-as saciadas
ao ver que ganhava os céus.

como se chora um amante
assim me choro a mim mesmo:
eu fui amante inconstante
que se traiu a si mesmo.

não sinto o espaço que encerro
nem as linhas que projeto:
se me olho a um espelho, erro –
não me acho no que projeto.

regresso dentro de mim
mas nada me fala, nada!
tenho a alma amortalhada.
sequinha, dentro de mim.
   
não perdi a minha alma,
fiquei com ela, perdida,
assim eu choro, da vida,
a morte da minha alma.

saudosamente recordo
uma gentil companheira
que na minha vida inteira
eu nunca vi...mas recordo

a sua boca doirada
e o seu corpo esmaecido,
em um hálito perdido
que vem na tarde doirada.

(as minhas grandes saudades
são do que nunca enlacei.
ai, como tenho saudades
dos sonhos que não sonhei!...)

e sinto que a minha morte –
minha dispersão total –
existe, lá longe, ao norte,
numa grande capital.

vejo o meu último dia
pintados em rolos de fumo
e todo azul-de-agonia
em sombra e além me sumo.

ternura feita saudade,
eu beijo as minhas mãos brancas...
sou amor e piedade
em face dessas mãos brancas...

tristes mãos longas e lindas
que eram feitas para se dar...
ninguém mais quis apertar...
tristes mãos longas e lindas...

e tenho pena de mim,
pobre menino ideal...
que o me faltou afinal?
um elo? Um rastro?...ai de mim!...

desceu-me n’alma o crepúsculo;
eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

álcool dum sono outonal
me penetrou vagamente
a difundir-me dormente
em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida,
Eu sigo-a, mas permaneço...
...............................................
.................................................

castelos desmantelados,
leões alados sem juba...